A Tragédia da Ressignificação do Empreendedorismo no Neocolonialismo: Uma Reflexão Crítica
- Leonardo Santos
- 21 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Nos últimos anos, a palavra “empreendedorismo” ganhou enorme popularidade, especialmente em discursos políticos e econômicos, sendo apresentada como a chave para o sucesso pessoal e social. No entanto, essa palavra, que antes evocava ideias de inovação, criatividade e soluções coletivas, passou por uma ressignificação trágica no contexto do neocolonialismo e da globalização econômica. O conceito de empreendedorismo, inicialmente associado à criação de novos modelos de negócio que poderiam beneficiar a sociedade como um todo, transformou-se em uma ferramenta utilizada pela burguesia para desviar a atenção das falhas estruturais do sistema capitalista, impondo uma narrativa de responsabilidade individual sobre o sucesso e o fracasso.
Historicamente, o termo "empreendedorismo" remonta a uma visão de inovação e transformação social. O empreendedorismo não era visto apenas como um meio de gerar lucros, mas como um motor de mudança, uma prática que poderia transformar a sociedade ao resolver problemas comuns. As pessoas que se envolviam com negócios ou ideias inovadoras eram, em sua maioria, consideradas agentes de mudança, pois suas ações tinham o potencial de gerar progresso para a coletividade, criando novas oportunidades de emprego e soluções para as necessidades de diferentes camadas sociais.
Essa visão do empreendedorismo estava profundamente enraizada em uma perspectiva coletiva, em que a inovação e a criação de novos produtos ou serviços não eram apenas benéficas para o empreendedor, mas também para a sociedade em geral. Empreender, dessa forma, representava uma oportunidade de fazer a diferença, de contribuir para o bem-estar coletivo e promover uma transformação positiva no mundo. O empreendedorismo, assim, era sinônimo de ação socialmente responsável, de utilização da criatividade e dos recursos para melhorar as condições de vida de uma comunidade.
"É evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social. O homem é o único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, e outros animais a possuem, mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto." (ARISTÓTELES).
Com o advento da globalização e o fortalecimento do neoliberalismo nas últimas décadas, o conceito de empreendedorismo foi progressivamente ressignificado. No contexto do neocolonialismo, onde os grandes centros econômicos e as corporações multinacionais impõem suas regras sobre os países periféricos e em desenvolvimento, o empreendedorismo passou a ser moldado por uma lógica individualista. A narrativa de que o sucesso depende exclusivamente do esforço e da visão individual do empreendedor passou a dominar o imaginário coletivo.
O conceito de empreendedorismo, que antes envolvia uma busca coletiva por soluções, foi transformado em um modelo que responsabiliza o indivíduo por seu próprio sucesso ou fracasso. As desigualdades estruturais, as dificuldades econômicas e as condições desiguais de acesso aos recursos não são mais vistas como parte de uma análise sistêmica, mas como questões pessoais, individuais. Assim, quem não consegue prosperar é culpado por sua falta de esforço, competência ou visão. Esse movimento de ressignificação tem como objetivo desviar o olhar das falhas do sistema capitalista, obscurecendo as causas profundas das desigualdades sociais.
"O homem é livre; mas em toda parte está acorrentado." (ROUSSEAU, Jean-Jacques).
O maior problema dessa mudança de perspectiva é que ela coloca a responsabilidade do sucesso e do fracasso exclusivamente sobre os ombros do indivíduo, enquanto oculta as condições sistêmicas que limitam as oportunidades para muitas pessoas. O discurso neoliberal exalta a ideia de que qualquer um pode ser um "empreendedor de sucesso", desde que tenha a mentalidade certa, o esforço necessário e a resiliência diante das dificuldades. No entanto, essa narrativa ignora as profundas desigualdades que marcam as oportunidades de acesso ao capital, à educação de qualidade, à saúde e a outras condições essenciais para que alguém possa ter sucesso em um empreendimento.
O verdadeiro problema não reside na falta de capacidade ou esforço individual, mas sim nas barreiras estruturais impostas pelo sistema econômico e social. O acesso ao mercado de trabalho, à educação, ao crédito e a outros recursos essenciais é fortemente desigual, o que torna a "história de sucesso" do empreendedorismo, que muitas vezes é vista como uma consequência de habilidades ou sorte, uma exceção em vez de uma regra.
Além disso, a ideia de que o empreendedorismo pode ser a chave para a solução de todos os problemas sociais e econômicos é uma falácia. Muitas vezes, o "sucesso" no empreendedorismo é alcançado à custa de exploração, precarização do trabalho e perpetuação das desigualdades. As grandes corporações, que dominam os mercados e os fluxos financeiros globais, também se apresentam como "empreendedoras" e, através de práticas predatórias, aumentam ainda mais a concentração de riqueza e poder, ao mesmo tempo em que culpam o indivíduo pelo seu fracasso econômico.
A reconfiguração do conceito de empreendedorismo é, em grande parte, uma estratégia da burguesia para desviar a atenção das falhas do sistema capitalista e manter as estruturas de poder e riqueza intactas. Ao promover a ideia de que o sucesso depende exclusivamente do empreendedorismo individual, as elites econômicas não só escondem as disparidades estruturais do mercado, mas também fazem com que a sociedade se sinta culpada por não alcançar as expectativas de sucesso. Esse discurso visa manter as pessoas em uma constante busca por "realização pessoal", enquanto as causas maiores das desigualdades sociais e econômicas são negligenciadas.
A narrativa do empreendedorismo individual é uma ferramenta poderosa porque transfere a responsabilidade pelas dificuldades econômicas e sociais do sistema para o indivíduo. Isso desvia a atenção das questões mais amplas, como a concentração de riqueza, a exploração da força de trabalho e as condições desiguais de acesso aos recursos. Ao tornar o fracasso uma questão pessoal e não estrutural, o sistema impede que se faça uma análise crítica das condições socioeconômicas que perpetuam a desigualdade.
É urgente, portanto, que o verdadeiro significado do empreendedorismo seja resgatado. O empreendedorismo, em sua essência, deve ser uma força transformadora, não apenas em termos de lucro, mas como uma prática socialmente responsável que busca resolver problemas coletivos e promover o bem-estar da sociedade. O empreendedorismo não deve ser um instrumento de culpabilização, mas sim uma oportunidade de criar soluções inovadoras que atendam às necessidades da coletividade.
Para isso, é necessário questionar o modelo atual, que promove uma visão individualista do sucesso, e redirecioná-lo para um propósito maior, que se concentre em gerar valor para a sociedade como um todo. O empreendedorismo deve ser uma prática que tenha como objetivo melhorar as condições de vida das pessoas e corrigir as falhas estruturais do sistema econômico, não apenas maximizar o lucro de poucos.
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